Agenda Cultural

O UNIVERSAL É O LOCAL SEM MUROS

Miguel Torga 

Finda a catástrofe da Guerra Mundial, a Europa renascia, para lá dos Pirenéus, num projeto de paz, justiça social e cidadania. Aos portugueses ainda era imposta a triste sorte do orgulhosamente sós. 

Os portugueses foram primeiro europeus lá fora, nas novas odisseias que os levaram como caminhantes a atravessar os Pirenéus, onde acreditavam que a autêntica Europa começava e para onde a ditadura os expulsava.

Reconquistada a liberdade, levantado o nevoeiro do Império, a Europa foi o nosso novo destino.

Descobrimo-nos então profundamente europeus, cá dentro, como parte de uma Europa comunitária, pensada, farta e solidária. 

Ainda sonhávamos com a Europa e a Europa era aqui, nas cidades que habitávamos, nos campos que ainda íamos lavrando, nas traineiras que restavam, nos barros que moldávamos ou nos cantos com que sublimávamos a nossa eterna saudade. A Europa era cá dentro, nos sonhos e dores partilhadas, nas ameaças dos vírus e dos ódios, nas infindáveis crises financeiras, na crise ecológica abrasadora da terra que se pisa, nas desigualdades que nos dividem, no desespero que impende na procura da hospitalidade, mas também na utopia partilhada de uma Europa unida, democrática e fraterna. 

A Europa, como poderia ter dito Torga, é, no fim de contas, Portugal sem muros. 

A Europa é Mundo, cada vez mais Mundo, e começa aqui, não só na diversidade que as malhas do império teceram, mas também como filhos e herdeiros que somos das civilizações que, ao longo dos tempos, por aqui fecundaram. 

Ser português é ser Europa e ser Mundo, porque sem ser Mundo não há europeus.